Vejo camelos no deserto de Gobi ... vejo camelos na Duque de Loulé
O que se escreveu, viu ou ouviu na última semana #23
A falar de cinema é que a gente se entende …
Quem abriu as portas do Inferno? Se foi algum de vocês, façam o favor de as fechar. Que mania é esta de entrar e não deixar as portas como estavam! Acham piada?! Quarenta graus … e quarenta e seis numa zona próxima de Évora! É por estas alturas que as mordomias de “primeiro mundo” se revelam triunfantes — o ar condicionado — e onde melhor para o sentir prazerosamente? Numa sala de cinema! Portanto, façam outro favor: sigam sala de cinema adentro, vejam qualquer coisa e, se tiverem de optar, que tal cinema português?
"Lá vai ele com a propaganda!" Talvez sim, talvez não, mas doí ao ver relatórios com baixos índices de cinema português, para depois se invocar essa "americanização" como salvação da Pátria. Sabem, ao menos, que ao ver e experimentar cinema português estamos a lutar contra o preconceito. Digo-vos de coração: desde miúdo, alimentado com "clássicos da Era Dourada da nossa Indústria" (com muitas aspas nesta frase), desafiei-me a entrar em universos distintos, como os de João César Monteiro ou até Pedro Costa. Hoje em dia, há novas constelações a formar-se no céu: Pedro Cabeleira, Cláudia Varejão, Basil da Cunha, Ágata de Pinho ou até João Rosas. Este último é uma boa proposta de cine’, mesmo que tenha algo de regional, centrado em Lisboa e a beber desse biótopo. Não me vou alongar na epopeia de Nicolau (Francisco Melo); já escrevi o bastante e penso que a entrevista ao realizador fala por si [ler aqui].
Sabem, uma coisa de que me arrependo nestes folhetins é o facto de ter um tema, mas os dias avançarem com outros planos. Por um lado, queria falar de cinema português de forma ressabiada — a guerra dos 12 dias entre Vasco Câmara e Vicente Alves do Ó (à espera de uma resposta do último para poder avançar nesse comentário inútil da minha parte) — mas este Deserto do Atacama que me entra pela janela adentro limita-me as ideias. Deixa-me estagnado, imóvel, preguiçoso na cama, com uma ventoinha apontada e a suspirar de tormento (coitadinho do menino!), a desejar, delirantemente, pelas brisas primaveris que me faziam sonhar com o Verão… Humanos, criaturas condenadas à eterna insatisfação!
Ainda sobre a semana passada:
Se não forem seguir o meu conselho de Lisboa, menina e moça, podem sempre atracar na ilha de Moçambique, numa fortaleza colonial com fantasmas e pangolins. Sol de Carvalho regressa citando palavras de Mia Couto - “O Ancoradouro do Tempo” - deixo-vos o link de uma conversa com o realizador, que parte do filme e foge para outros cantos [ler aqui]. Ou se preferirem propostas mais ousadas ainda, basta contar uns quantos “Mississipis” com António-Pedro [ler aqui], ou, se preferirem o mainstream, há sempre uma boneca robótica assassina que virou duas [ler aqui] e uma simulação dos diabos da Fórmula 1 com uma das últimas estrelas dos resquícios de star system hollywoodesco [ler aqui].
Enquanto isso, outros textos, semana cheia tão a ver, desde a discussão de memória colonialista na Praia Formosa com Julia de Simone [ler aqui], até chegarmos a Espinho com um olhar breve sobre o vencedor da Competição - o húngaro “Lesson Learned”, de Bálint Szimler [ler aqui] - passando pelo encerramento em forma mockumentário com centenas de discursos num só, mas miopia soberana em “C’est Pas la Vie en Rose” [ler aqui]. Prometo seguir mais a fundo no FEST, apesar que quem já acompanha este folhetim saber perfeitamente que a minha palavra tem um lado de latão … bem, vou buscar ao frigorífico uma cerveja fresca, estes tempos solicitam líquidos. Recomendações do meu médico.
Conversas alternativas … lá fora, cá dentro
Rui Alves de Sousa e a sua rubrica de rádio / podcast “De Olhos bem Fechado”, numa homenagem ao compositor Lalo Schifrin, falecido esta semana, cujos trabalhos mais célebres encontra-se o genérico de “Missão Impossível” . Recomendo a vossa audição [aqui].
Outra conversa com Sol de Carvalho, desta feita por Bernardo Freire no seu programa “Freire & Marques no Cinema” - ouvir aqui. Já agora mais uma entrevista ao mesmo realizador, por escrito, por Rafael Fonseca no Tribuna do Cinema.
Recomendo este texto de Ronald Perrone sobre a recente Lista do 100 Filmes do Século XXI por parte da The New York Times. Ler aqui
Toni Servillo como Luigi Pirandello no “La Stranezza" de Robert Andó, dia 30 na RTP 2, 22h55. Posteriormente estará disponível na RTP Play.
Conversas alternativas … lá dentro, cá fora
Final de temporada do Passos no Escuro, dia 2, pelas 22h00 no Cinema Passos Manuel. O filme “La Noche del Terror Ciego”, primeiro filme de uma tetralogia de Amando de Ossorio, uma produção luso-espanhola com Templários mortos-vivos! Poderão adquirir os bilhetes aqui.
Uma sessão especial de “A Vida Luminosa” no Cinema Fernando Lopes, dia 1,
Dia 2, poderão entender a jornada de Nicolau na trilogia de curtas - “Entrecampos”, “Maria do Mar” e “Catavento” - no Cinema Ideal [Lisboa], com a presença do realizador João Rosas.
Kira Murotava no Clube Objetivo Cinema em Penafiel! Dia 1, “Brief Encounters” na sala Cinemax, pelas 19h40.
Screening Funchal vai avançar com uma retrospectiva da dupla António Reis e Margarida Cordeiro - o primeiro filme será “Trás-dos-Montes" (1976), a ser exibido no Forum Madeira, no dia 4 e 5, pelas 21h00.
A Trilogia da Terra de Glauber Rocha a ser exibido no Cinema Trindade [Porto], em cópias restauradas. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” [dia 30], “Terra em Transe” [dia 1] e “Idade da Terra” [dia 2]. Todas as sessões às 16h30.
Muitas sugestões no Batalha, desde Almodóvar - com “La Mala Educación” [dia 2, 15h15], a dupla sessão “La voz humana” + “Estraña forma de vida” [dia 4, 19h15] e "o recente “The Room Next Door” [dia 5, 17h15] -, passando por Paulo Rocha com “O Rio de Ouro” [dia 2, 19h15] e Sylvain Chomet com “Les triplettes de Belleville” [dia 5, 15h15].
Cinemateca Portuguesa: há antevisão do próximo do Doclisboa, com a exibição de "In The Company Of Men” de William Greaves (sessão esplanada, dia 4, 21h45) e no dia 5, pelas 16h30, o lançamento do catalogo de Eduardo Geada, “O Olhar do Desejo”, contando com uma conversa entre Geada, os críticos João Lopes e Jorge Leitão Ramos, a investigadora Leonor Areal e o programador Ricardo Vieira Lisboa, responsável pelo ciclo e pela publicação. A sessão termina com a exibição do filme “Paper Moon” [pelas 18h00], sobre o qual Geada escreveu o ensaio “Quem é Peter Bogdanovich?”, incluído no próprio catálogo.
No Cineclube de Pombal, dia 2, pelas 21h30, a colaboração entre Karim Ainouz e Marcelo Gomes - “Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo”.
Na Casa do Cinema de Coimbra: dia 5, 16h15, exibição dos documentários “Time to Change” (Pocas Pascoal) e “Contos do Esquecimento” (Dulce Fernandes’), com a presença das realizadoras, que estarão à conversa com a poeta e investigadora Raquel Lima. Entrada livre.
Extrato Bibliófilo
"Hoje sabemos que o sonho é um grave distúrbio psíquico. Uma coisa sei eu: até hoje, o meu cérebro era um mecanismo cronometricamente regulado, fulgurante, sem um grãozinho de pó, mas hoje ... Sim, hoje veio o desarranjo: sinto um corpo estranho no cérebro, assim como quando se tem uma pestana finíssima alojada num olho. Sentimo-nos exatamente como sempre fomos, mas a pestana alojada no olho não nos deixa descansar nem um segundo, não podemos esquecê-la."
Evgueny Zamiatin, Nós
Canta que os teus males espanta …
Em homenagem a Rebekah Del Rio (1967 - 2025), esta participação sua em “Mulholland Drive” de David Lynch que já é uma das cenas-chave do século XXI em matéria de Cinema. Duvidas? Nem pode haver! Ver aqui
Mensagem de rodapé
De 7 a 11 de julho, realiza-se no Ar.Co (Xabregas, Lisboa) o curso pós-laboral "Cinema Experimental no Feminino", orientado por Bárbara Bergamaschi e Cátia Rodrigues. Das 18h às 21h, serão analisadas obras de cineastas como Maya Deren, Barbara Hammer e Susana Sousa Dias. Inscrição: 150 € + 0,75 €. Contactos: secretaria@arco.pt.
Campanha finalizada e cumprida. Já não vos chateio mais, muito obrigado … “Os Mestres Japoneses Desconhecidos” seguem para o formato DVD.