O Fim do Mundo em cuecas e a Guerra dos pernas-de-pau
O que se escreveu, viu ou ouviu na última semana #22
A falar de cinema é que a gente se entende …
Tinha tema para este folhetim semanal (algo em mim diz que dissipará de uma semana para a outra), só que a predestinação (para quem acredita em tal teoria) decidiu pregar-nos uma daquelas partidas, só que com a quantidade, a previsibilidade deixou há muito de ter efeito. O bafo quente destes dias arrasta-nos para uma escalada do conflito no Médio Oriente, os "forever wars", como os americanos lhes politicamente os apelidam, e nós, espectadores de um mau espectáculo de "guerra de pilinhas", contemplamos-os: alguns horrorizados, outros jubilados, e mais uns quantos inquietos e frustrados.
Depois de levarmos com centenas e centenas de filmes de super-heróis, até à exaustão da fórmula e da reviravolta, chegamos a pedir por um Super-Homem ou por alguma dessas equipas de ‘vingadores’ quaisquer, alguém ou algo que nos resolva da situação, estabelecer uma ordem, e, mesmo nesses desejos de pacificação, somos remetidos à lógica imposta de fora. Somos vítimas da nossa própria incerteza. Imagino que todos vós conhecem "Watchmen", sim, a "graphic novel" de Alan Moore, servida em filme por Zack Snyder, onde numa realidade alternativa há um grupo de super-humanos, ou "indivíduos mascarados", que decidem fazer justiça (institucionalizada, sublinhe-se) pelas próprias mãos. Os homónimos guardiões.
Para os que estão familiarizados com esse universo (uma crítica ácida à fórmula que referi e não só, comentário sócio-político com indirectas) tendem a ter a sua personagem predilecta. Os mais apreciados numa sondagem instantânea são geralmente dois: Dr. Manhattan, o arquétipo do invencível, um ente para lá do tempo, da física e da matéria, que vai perdendo os traços humanos; ou Rorschach, o vigilante com tudo o que isso acarreta: meio fascizóide, meio reaccionário, um Batman empobrecido. No meu caso, o "favorito" é um dos membros mais repugnantes do grupo: o Comedian, que se torna, de certa forma, no objecto do whodunit disto tudo. Não é regido por morais, nem por convicções, com actos abjectos e criminosamente puníveis. Só que é chamado de "Comediante" por um razão específica, não por ser um trocista ou um palhaço — nada disso (palhaços há muitos!) —, mas porque tem de perspetiva do mundo uma enorme comédia. Negra, pinta-se.
Essa visão torna-o adaptável, imune ao sofrimento num mundo que se quer sofrível. Quando mergulhava nesta história nas diferentes plataformas, havia o desejo (ou inveja) de partilhar tal visão do mundo, olhar para toda esta situação como paródica, como Kubrick fez no seu "Dr. Strangelove". Deixar de lado o fatalismo, abraçar o inevitável com um sorriso de dor e de alguma impotência … apenas apreciar o show. Porque, perante o real, a Guerra, fora os danos colaterais, são tragédias gregas encenadas por Homens ridículos.
Agora, resta ver tudo isto e... chorar. Ou rir. Porque o riso é, talvez, a melhor forma de tornar o Fim do Mundo suportável.
Ainda sobre a semana passada:
Mas o pessoal quer é textos, portanto cá vai! A prometida entrevista de Enzo G. Castellari, o encontro fundense com “Keoma” no coração [ler aqui]. Um hotel que fez check-in nas bilheteiras, mas não com review favorável na minha estadia - “Hotel Amor” [ler aqui]. Dançar enquanto o Fim do Mundo se aproxima (boa alternativa à comédia) em “The Life of Chuck” [ler aqui] e Leonora Carrington, influente pintora surrealista (1917–2011), num cinebiografia que tem tudo para nos encantar e igualmente confortar numa tal fórmula vincada … “Leonora in the Morning Light”, que teve estreia no Festival de Cinema de Guadalajara (México). Texto disponível aqui.
Conversas alternativas … lá fora, cá dentro
“Thelma”, de Josh Margolin, filme de abertura do último festival Outsiders - Ciclo de Cinema Independente Americano, pode ser visto na plataforma de streaming do Sky Showtime.
Conversa agradável entre Rui Alves de Sousa e Tiago Laranjo sobre “The Prestige”, de Christopher Nolan, na série “Imperdoável”. Ouvir aqui.
E mantendo no registo de podcasts, a minha participação em V.H.S., ao lado de Daniel Louro e Paulo Fajardo, sobre “Keoma” de Enzo G. Castellari, e um pouco sobre a obra do cineasta. Ouvir aqui. Sobre Castellari, recomendo o blog de Ronald Perrone, “Vício Frenético”, aqui.
Lançamento do número 119 da revista Metropolis, com a minha colaboração em textos sobre Danny Boyle, Jacques Rozier, “A Vida Luminosa” de João Rosas, “Berlinguer: La grande ambizione” de Andrea Segre e Encontros de Cinema do Fundão. Ler aqui
Quem me conhece sabe bem que não sou cá de séries, mas não posso deixar de recomendar esta, no Filmin Portugal — “Blossoms Shanghai”. É do Wong Kar-Wai, que há algum tempo não marcava presença entre nós. Bem-haja.
Conversas alternativas … lá dentro, cá fora
Dia 23, na FNAC Chiado, pela 18h30. o crítico e jornalista Rui Pedro Tendinha apresenta mais uma sessão de “Cinetendinha”, com a projeção dos filmes vencedores do passado concurso NFT. Com a presença de Paulo Trancoso, Beatriz Mourão e Beatriz Valido Mau.
As duas primeiras obras do canadiano Xavier Dolan (“J'ai tué ma mère”, “Les amours imaginaires”) no Cinema Trindade, Porto, no dia 24 e 25, pelas 21h45.
Algumas “coisinhas” boas na Cinemateca esta semana, desde os westerns “Django” de Sergio Corbucci (dia 27, 21h30) e o incontornável “Il Buono", IL Brutti, Il Cattivo” de Sergio Leone (dia 28, 21h30) e um conjunto de curtas na sessão das 19h00, do dia 27, com “Procuro T” de Danilo Godoy, “Cá Dentro” de Tiago Pimentel e “Quorum” de Rafael Fonseca. A não perder, principalmente este último.
No Cineclube de Chaves será exibido “Rose de Areia”, de Margarida Cordeiro e António Reis. Dia 26, pelas 21h30, no Cineteatro Bento Martins.
Já na Casa de Artes de Famalicão, no Cineclube de Joane, é o elogiado filme de Maura Delpero a tomar o dia 26. “Vermiglio”, pelas 21h45.
Extrato Bibliófilo
“As gerações futuras inventarão a nossa origem
dirão que fomos filhos de imigrantes
que conquistaram as grutas e roubaram
o segredo de nascer como a água
e que a nossa civilização desapareceu
porque os Deuses se esqueceram
de nos incluir nas lendas
que não merecemos o cobre
o bronze ou o ferro
que ficamos abraçados à madeira
mesmo quando arde
dirão que não te amei
porque não soube registá-lo na pedra.”
José María Zonta, “Os Elefantes são Contagiosos”
Canta que os teus males espanta …
Nesta correria para o bunker, que álbum levariam convosco? Perdoem-me se ferir alguma sensibilidade musical, mas levaria certamente o “Master of Puppets”, dos Metallica. Ouvir aqui!
Mensagem de rodapé
Já disponível a programação de Julho da Cinemateca, consultar o jornal aqui
A terminar! Mesmo ainda a terminar! Ainda não contribuíram para os “Mestres Japoneses Desconhecidos”?